quarta-feira, 22 de abril de 2009

A graça das gerações: conflito ou diálogo? Parte II

A queixa sobre os famosos conflitos de gerações é um discurso a mais. Discursamos bravamente sobre tudo aquilo que não queremos enfrentar como realidade, seja própria ou alheia. A verborréia exorciza, ainda que temporariamente, as demoníacas ameaças à minha comodidade.
A fuga discursiva da realidade pode se dar por medo, por ignorância, por conveniência, etc. O medo faz coisas conosco, principalmente o medo de que nossa verdade apareça. A ignorância é o sacramento que mais salva: há quem ainda não descobriu que tem uma realidade própria que pode ser enfrentada e trabalhada na liberdade. Também haverá quem prefira se resolver estrategicamente na ambigüidade.
Naquele famoso encontro, supostamente conflitivo, entre Francisco, Bernadone e o Bispo, a atitude de Francisco é muito clara. Não tem nada para esconder, nem de si mesmo nem dos outros: se desnuda e se deixa ver, diante disso o Bispo o acolhe e Bernadone, aquele se queixava de um conflito geracional com a irresponsabilidade do filho, desaparece sem deixar rasto nas biografias. A transparência espanta os fantasmas que habitam o nosso imaginário.
A relação de Francisco com a Igreja estava muito clara para Francisco, mas não para a Igreja. Sim, sempre obedientes aos pés da Santa Igreja Romana, mas, a Regra Monástica? Essa não, muito obrigado! Francisco sabia com claridade a que havia vindo; isso lhe permitia ocupar bem o seu lugar, tanto no espaço eclesial quanto no espaço temporal e geracional.
Francisco soube ocupar bem o seu lugar: no espaço físico (em relação com a natureza), no espaço institucional (em relação à Igreja, à sociedade e aos governantes), no espaço simbólico (em relação à tradição), no espaço transcendente (em relação ao seu chamado vocacional), no espaço afetivo (em relação ao feminino e ao masculino), etc. Por saber ocupar bem seu lugar sua presença era sempre um chamado a reconciliação, isto é, a que cada um ocupe o seu lugar.
O tempo não passa, ele nos consome: krónos devora os seus filhos. Ser consumido pelo tempo é algo inevitável. Existem duas maneiras de enfrentar este destino cruel: com ou sem dignidade. Quem sabe ocupar bem o seu lugar no tempo e no espaço, diante de si mesmo, diante das outras pessoas e instituições e diante de Deus, envelhecerá e morrerá com o brilho da eterna juventude. No final Francisco não quis reter nem o habito, aceitou um emprestado.
A juventude é “energueia” e “virtus”, mas não necessariamente sabedoria e constância. Energia e força estão dadas por natureza, sabedoria e constância são construídas ao longo do tempo como resultado de um itinerário paciente. A energia e a força têm um potencial quase ilimitado: o jovem pensa que pode tudo e, realmente, pode quase tudo que pensa, nisso reside o potencial da juventude. Mas as ações pessoais tem desdobramentos que afetam a outras pessoas e instituições, a sabedoria consiste em aprender a ocupar com constância este delicado, acidentado e tenso espaço físico-psico-social.
A juventude é o presente se fazendo futuro num processo de amadurecimento permanente; um caminhar pelo valor intrínseco de cada passo. O objetivo da caminhada está sempre debaixo da sola do pé. Sim, com os olhos no horizonte, mas quem caminha são os pés: pé no chão. Pisar nos vincula ao chão, pertencemos ao chão que pisamos. Quem voa e flutua não toca com os pés, perdeu o chão e não pertence.
Chão é realidade. Pisar o chão da caminhada de cada dia, de todos os dias e do dia todo, é um desafio que nos questiona do amanhecer ao anoitecer. Perder o chão é cair no vazio e perder os vínculos de pertença.
Nossos grandes afazeres, sejam quais sejam, podem chegar a nos matar por excesso de trabalho e dedicação, mas nunca nos darão a imortalidade. Nós não duramos para sempre e nossas construções também vão terminar em ruína. Ser esquecido é algo quase inevitável, os monumentos também desabam com o tempo: krónos é kruel e korrosivo.
É conhecida a afirmação bíblica de que ninguém pode pagar o preço da isenção da própria morte. Da mesma forma, ninguém pode pagar o preço da isenção da própria realidade: fugir não é uma opção para toda a vida. E ainda mais, ninguém pode pagar o preço da isenção dos efeitos corrosivos do tempo. Sim, de repente, pode ser tarde demais!
Se cada um olha para si mesmo antes de olhar para os outros e se cada um só se permitir olhar para os outros depois de olhar para si mesmo, se abre a possibilidade de escaparmos do discurso queixoso sobre conflitos de geração e passarmos à fecundidade do diálogo entre jovens de todas as idades.
A dialogicidade é um modo de ser vinculante, lugar privilegiado para negociar e aprofundar significados e, talvez, sentidos. O diálogo, como fruto maduro, requer que nos preocupemos com as CONDIÇÕES PARA O DIÁLOGO. Governar e acompanhar é, também, trabalhar pela criação de condições para um diálogo fecundo, “que nutre e faz crescer”.
“Sendo Deus, não se apegou ciosamente a sua condição divina”, se contraiu e se fez homem com os homens e as mulheres. Que aconteceria se na juventude não nos apegássemos ciosamente à nossa condição de jovens e na ancianidade à nossa condição de anciões?

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