quarta-feira, 22 de abril de 2009

A graça das gerações: conflito ou diálogo? Parte I

"A nossa juventude adora o luxo, é mal-educada, despreza a autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. Os nossos filhos hoje são verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando uma pessoa idosa entra, respondem aos pais e são simplesmente maus” (Sócrates 470-399 a.C.).
"Não tenho mais nenhuma esperança no futuro do nosso país, se a juventude de hoje tomar o poder amanhã, porque esta juventude é insuportável, desenfreada, simplesmente horrível" (Hesíodo 720 a.C.).
"O nosso mundo atingiu o seu ponto crítico. Os filhos não ouvem os pais. O fim do mundo não pode estar muito longe" (Sacerdote do ano 2000 a.C.).
"Esta juventude está estragada até o fundo do coração. Os jovens são maus e preguiçosos. Eles nunca serão como a juventude de antigamente. A juventude de hoje não será capaz de manter a nossa cultura" (Vaso de argila, Babilônia, datado com mais 4.000 anos).
A humanidade é uma espécie geracional, nossa permanência na face da terra depende desse processo bio-temporal onde uma geração sucede a outra no árduo trabalho de perpetuar a espécie. A nossa geracionalidade não é casual, mas essencial, não pode ser evitada, caso aconteça, é o nosso fim como espécie. Também existem condições para que a geracionalidade da espécie siga o seu curso.
A humanidade, por conta da sucessão geracional, termina por criar uma história, isto é, as vivencias e os registros orais, escritos, plásticos, etc., do acontecer dessa sucessão geracional no tempo, no espaço e nas tradições. Aqui também é necessário chamar a atenção para as complexas condições das quais depende a construção da história.
A humanidade é uma espécie cultural, isto é, construtora de um patrimônio que lhe é próprio, desde a linguagem mais elementar, passando pelas ferramentas até chegar às estruturas mais sofisticadas. Tudo isso, sempre com o mesmo objetivo, garantir as condições geracionais da perpetuação da espécie.
A humanidade é uma espécie autoconsciente, isto é, sabe de si mesma, de sua condição geracional e das construções e elaborações culturais e imaginárias realizadas na história, para que assim, em cada tempo presente, toda geração possa olhar para trás, para frente e para si mesma. A autoconsciência é a possibilidade de sermos donos de nós mesmos.
Cuidado! É só a possibilidade, as condições, para que isso aconteça, devem ser trabalhadas.
A humanidade é uma espécie marcada pela angustia. A autoconsciência da temporalidade própria leva à autoconsciência da finidade no tempo: quem nasce, morre por necessidade intrínseca. A gênese e o fim são dois extremos que se tocam e, ao se tocarem, produzem um sentimento de provisoriedade e de transitoriedade em relação ao fenômeno da vida. Este estado de transitoriedade é a angustia ontológica, ela é constitutiva do ser.
A humanidade é uma espécie transcendental, isto é, produtora de idéias e imaginários. Ideamos e imaginamos coisas e muitas vezes vivemos dessas ideações e imaginações. Não poucas vezes estas idéias e esses imaginários estão desvinculados da realidade própria e da realidade do entorno. Pode chegar a ser mais fácil imaginar como sou e como o outro é, do que sair ao encontro de mim mesmo e do outro.
A humanidade é uma espécie medrosa: o desconhecido assusta e incomoda, principalmente se o desconhecido sou eu mesmo. Será sempre mais fácil lidar com uma idéia ou imaginário conhecido sobre mim mesmo que confrontar incomodamente o desconhecido que mora na minha interioridade.
A humanidade é uma espécie que mora na linguagem. O discurso, ainda que seja de palavras vazias, é o nosso pão de cada dia. Discursamos sobre nós mesmo e não permitimos que nossa interioridade fale sua verdade própria. Discursamos sobre as outras pessoas para não sermos incomodados com a verdade do outro, que muitas vezes se parece muito à minha própria e incomoda verdade.
A humanidade é uma espécie livre, isto é, não está determinada por nenhuma dessas condições, pode, a qualquer momento, romper a quadratura de sua manhosa natureza e, com vigorosa liberdade, enfrentar o que tem para ser enfrentado: primeiramente a realidade própria e, quase simultaneamente, a realidade do outro e do entorno. Para isso é condição necessário permitir “ser incomodado”.

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