segunda-feira, 20 de abril de 2009

Voltar às origens: com que propósito? Parte I

A espécie humana é capaz de “ex-perior”, isto é, é a única capaz de viver o seu próprio ser e a sua própria vida como uma travessia perigosa na qual está em jogo e em risco este seu ser e esta sua vida.
A vida humana tem esta característica inusitada: existir; em latim, ex-essere, isto é, sair do seu princípio, sair da sua origem para iniciar um movimento de travessia, de encontro e desencontro, consigo mesmo e com os outros. Existir implica a possibilidade de confrontar-se com o próprio e ser confrontado pela plenitude do outro.
A travessia implica riscos. Os riscos forçam a existência contra os seus próprios limites. Quanto mais perigosa e arriscada é a experiência, mais excitante e chamativa. É nos limites da vida e da morte —já que podemos morrer para muitas coisas e continuar vivos— que uma experiência revela todo o seu vigor.
A confrontação, seja consigo mesmo ou com o outro, é a experiência derradeira. Nesta experiência está em jogo, por um lado, o ser, conjugado na forma do “sou” e do “somos”; por outro lado, o poder-ser, conjugado na forma do “poderei e do poderemos ser”. Nessa transparência, um futuro possível se transfigura num presente de esperança.
A experiência que põe em questão aquilo que é próprio de cada um e remete a plenitude da diferença do outro, abrindo no presente novos horizontes de esperança, tem poder de chamar a atenção de muitos outros e de se converter em experiência originaria, fundante e fundacional: uma experiência que inspira e congrega.
Inspirados e congregados, multiplicados em número e, ao menos no inicio, também no fervor, se vêem na necessidade de uma organização mínima do seu novo modo de vida. Faz-se necessário indicar os elementos básicos e fundamentais que deram origem a experiência que se multiplica. Urge estabelecer mecanismo que orientem este novo universo humano na direção marcada pela fonte inspiradora.
A experiência originária se converte em experiência estruturada e institucionalizada. Esta é a marca indelével do tempo: cronologicamente a experiência originaria se converte em fonte de inspiração para aqueles que foram atraídos por ela; se converte também em intuição originária que dá sentido ao marco institucional e às estruturas de mediação.
As nossas presenças e nossas ações são inevitavelmente mediadas por algum tipo de instrumento, desde os mais simples e elementares, até as estruturas institucionais. Inicialmente, as mediações estruturais e institucionais são necessárias e estão conformadas à realidade que atendem.
As presenças e ações, com o tempo, podem se converter em obras estruturadas e institucionalizadas. O aparecimento de uma instituição formalmente constituída tem suas conseqüências. As instituições são auto-poiéticas, isto é, funcionam com uma dialética interna de auto-reprodução de si mesmas. Correm sempre o risco de se converterem em fins em si mesmas.
A corrosão do tempo é inevitável, tanto para as pessoas quanto para as estruturas institucionais. De todas as corrosões possíveis, a mais devastadora é a corrosão do sentido, que afeta a vitalidade da instituição pela relativização da experiência originária, fonte de inspiração, razão de ser e de sentido da instituição. A forma mais comum dessa relativização é a “normosis”: é normal.
O sem-sentido de uma estrutura institucional afeta o seu desempenho e acarreta ineficiência e ineficácia na realização do seu propósito fundacional: repetir ou realizar experiências análogas à experiência originária e inspiradora. A ausência de sentido pode ser experimentada nas muitas situações de rotinas vazias durante uma jornada de trabalho no interior da instituição.
A perda de sentido acarreta um vazio de sentido. O vazio não pode ser destruído e sua força gravitacional impede qualquer fuga. Diante do vazio existem duas alternativas, a saber: deixar-se aniquilar ou preencher o vazio. Para deixar-se aniquilar é suficiente relaxar e deixar que todas as coisas havidas e por haver se transformem em coisas normais.
Para preencher o vazio é necessário armar-se com a ferramenta da autodisciplina hermenêutica e entrar num processo de reconstrução de sentidos.
Avaliar é um verbo muito difícil de ser conjugado. Não temos este “habitus”. A cultura da não-avaliação é um indicador gravíssimo, tanto nas pessoas quanto nas instituições. Não avaliar é pura e simplesmente perder a oportunidade de crescer e aperfeiçoar aquilo pelo qual estamos aqui. A não-avaliação é uma forma sistêmica de omissão. Na Divina Comedia, a omissão se iguala à fria indiferença, obra prima do mal sobre a face da terra. “O demônio é um ser glacial” (Dante).
A pessoa humana e as instituições necessitam ser avaliadas e reinventadas sempre de novo. Tem sentido voltar às origens sem um claro propósito? Estamos dispostos a reinventar-nos e às nossas estruturas e instituições a partir da volta à experiência originária?

“Irmãos comecemos, até agora pouco ou nada fizemos”.
“Fiz a minha parte, que Senhor vos ensine a fazer a vossa”. (Francisco de Assis)

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