domingo, 19 de abril de 2009

A espiritualidade da escuta profunda

O ser humano se move sempre num mundo de significados e sentidos. Este mundo é incessantemente banhado pelo fluxo da linguagem. A linguagem é a morada do significado e do sentido, nela residem o símbolo, o gesto, a palavra e o silêncio. Sem ela o nosso mundo da vida perderia todo o movimento, a dinamicidade e a vitalidade.
A linguagem é essencialmente referente e vinculante. É por meio dela que construímos o conjunto de inter-relações que dão significado, sentido e sustentação ao nosso mundo e à nossa vida. Sem a linguagem e sem estes vínculos de sustentação estaríamos paralisados, estáticos e pairando sobre o vazio.
A linguagem tem o poder de significar e de definir. Entre muitas coisas, é a linguagem quem define o nosso estado de vida. O estado de vida de um religioso é essencialmente vocação, isto é, linguagem que chama. O vocativo é uma graça que requer escuta e atenção; liberdade e decisão; resposta e vinculação.
Não é tarefa muito difícil fazer a lista dos nossos pertences, mas e nós, a quem pertencemos? Aquilo que é nosso certamente está bem definido, mas e nós, somos de quem? A resposta a estas perguntas nos ajuda a esclarecer os nossos vínculos e a identificar a quem somos leais.
O chamado é sempre um “chamado para...”, abre e indica um horizonte de orientação e um projeto significativo. O chamado está sempre na origem, ele é a graça das origens, mas ele também requer vínculo de adesão e sentido de pertença.
O chamado requer uma resposta, um responso, uma responsabilidade. Responder é proferir, profissão, promessa. Responder é empenhar a palavra, é dar e empenhar o significado e o sentido que moram na linguagem como garantia da adesão, da pertença e da lealdade.
A obediência é a disciplina do vínculo de adesão, do sentido de pertença e da lealdade. Ela é “ob-audire”, isto é, ouvir para dentro. Na obediência, escutamos a sonoridade significativa da graça das origens, de nossa vinculação a um projeto e exercitamos o sentido de pertença colocando-nos na postura construtiva de comunhão de vida e de ação. Obedecer é perseverar na adesão e na pertença; obedecer é ser leal.
A Fraternidade é o lugar da graça da obediência. Nela vivemos cotidianamente o nosso vínculo de adesão e nos deixamos guiar pelo sentido de pertença a uma forma de vida e a um legado a quem decidimos livremente aderir e ser leais.
A autoridade não se opõe à obediência. A autoridade é ministério, é serviço a outros. Como tal, é sinônimo de obediência. A autoridade é quem mais obedece. Não há autoridade sem a escuta profunda do “ob-audire”.
No entanto, a obediência que não tem nem significado nem sentido e que não se exercita como escuta profunda, não passa de capricho autoritário de quem manda e de servilismo ressentido de quem obedece. Onde reina o capricho e o servilismo não há lealdade e sobra insidia e conspiração pelo poder.

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